Comunicação Social

A comunicação humana é cheia de ambiguidade, de vagueza. Dialetos e línguas são ao mesmo tempo econômicos e redundantes: muita coisa fica dependente do contexto, e muita coisa é repetida (mas de um jeito diferente).

Nessas horas, uma coisa que ajuda a esclarecer o que alguém fala pra gente é a tal da transitividade e o tal do senso comum

"Pega ladrão!"

"Pega ladrão" é uma frase clara porque, pelo contexto social (senso comum), a gente entende que a frase é um chamado aberto pra quem estiver ouvindo,
e pela transitividade a gente entende que esse ouvinte tem que tomar uma atitude sobre o ladrão ("Rápido, alguém pega aquele ladrão ali!").


"Rápido, alguém pega aquele ladrão ali!"


Transitividade em contexto ajuda a responder essas quatro perguntas: quem faz o quê, a quem, e como.

Quem? (sujeito): "alguém"

Faz o que? (verbo do predicado): "pega"

A quem/quê? (objeto do predicado): "aquele ladrão ali"

Como? (adjunto/advérbio): "Rápido"


Isso geralmente é suficiente pra gente levar a vida nos lugares comuns em que a gente circula, com gente que fala a nossa língua e que a gente mais ou menos conhece.

Mas às vezes a gente quer se aprofundar num assunto, refletir nos detalhes, fazer uma pesquisa acadêmica, ou simplesmente discutir política.

Nesses casos mais delicados é importante adicionar três perguntas: onde,  quando, e quanto.
"Pega ladrão!"  não é delicado, porque o contexto deixa muito claro o onde/quando/quanto. Onde tá o ladrão? Logo ali. Quando é pra pegar? Agora. Quantos ladrões ou que partes do ladrão tem que pegar? Um ladrão só, e inteiro (não queremos só as mãos do ladrão).

Uma frase mais delicada é como esta:


Deus ressuscitou Jesus.

O contexto é o passado remoto, milênios atrás. A transitividade é:

Quem? (sujeito): "Deus"

Faz o que? (verbo do predicado): "ressuscitou"

A quem/quê? (objeto do predicado): "Jesus"

Como? (adjunto/advérbio): [nulo]


A frase parece clara, mas só até alguém começar a debater sobre onde exatamente Jesus estava (onde?), quando exatamente ele voltou à vida (quando?), e se ele voltou por inteiro, fisicamente, ou só em espírito (quanto?).
E se Jesus não ressuscitou por completo, em carne e osso? E se ele ressuscitou no segundo dia em vez do terceiro? E se ele nunca tiver sido colocado na tumba de José de Arimatéia, mas sim em outro lugar?
Ainda assim, a frase "Deus ressuscitou Jesus" faz algum sentido. Pode não ser o sentido mais popular, mas tem gente que entende a frase assim (não é o meu caso).


A vantagem das três perguntas é que elas ajudam a gente a organizar nossos debates, e a descobrir se a gente de fato está se entendendo, e se a gente concorda mesmo sobre algo. Um miticista e um crente podem ambos afirmar, e até cantar juntos, essa frase. 

Um pensa que, no imaginário social, Jesus de fato vive, e é isso que importa. O crente crê que tem um Jesus vivo em carne e osso hoje, como fato histórico.

A comunicação humana é cheia de ambiguidade, de vagueza.